Um dedo de prosa

Germana Telles

Retrato de amigo depois dos 30 00:20

É que nós tínhamos a certeza de que nossos sorrisos estariam congelados. O tempo nos seria piedoso, amigo, guardião de nossos mundos perfeitos.

É que nada ou quase nada sabíamos da vida e assim usufruíamos do agridoce sumo, com um punhado de sal nas mãos. Por isso, não vimos nossa história ir tecendo o cenário, mudando o figurino, a mobília, os panos de fundo, a maquiagem que refaz nossos rostos, dia após dia.


Nossos passos tinham o caminho gravado na sola dos pés. Íamos, com o mapa na palma das mãos, com a certeza de semideuses nos olhos, com a respiração de quem domina o ar rarefeito, os sete mares e a força da gravidade no mais baixo abismo. Éramos os donos da verdade mais que relativa, sem qualquer ponderação, longe de qualquer teoria bem estabelecida. O absoluto havia sido extinto de nossas convicções mal-balanceadas.


Éramos jovens. Em meio aos quase vinte, aos vinte, aos vinte e poucos, aos quase trinta. E tudo era eterno, assim. Até que um dia, a idade nos tomou conta, nos pegou de assalto. Vimos, em meio a quedas _ ausências repentinas e seculares de pai e mãe, irmãos, companheiros de jornadas, falta de dinheiro, segurança e alegrias _ que nossos grãos de areia começavam a ficar pela metade no relógio.


Onde antes tudo era belo, aos poucos as rugas foram ganhando terreno. As mãos viram brotar novos montes, novos marcos, novas trilhas na palma e nos dedos. O sorriso ficou mais sereno, meia-boca, mentindo tranqüilidade em meio à desconfiança absurda de tudo e de todos.


Vimos longe os nossos passos, o nosso chão, a casa onde nascemos, a escola, os parquinhos, as festas, os vizinhos, os primos, os avós, os natais, as páscoas, os almoços de domingo, as corridas malucas de bicicleta, os bailinhos dos sábados. Já não havia as esperas das sextas-feiras nas paradas de ônibus, quando os que faziam faculdade davam o ar da graça e refaziam as brincadeiras de sempre.


Quem havia ficado, sem se aventurar na boa-esperança, celebrava com o mesmo ar de criança. Quem havia partido e encontrado todas as desilusões e as brechas apertadas das soluções do mundo, chegava como quem renascia. Estar ali era como reestréia no ventre da mãe. Aconchego, coisa boa sem nome, euforia, segurança, paz, tudo junto no meio do estômago, num rebuliço indefinido e eterno. Quinze cavaleiros do apocalipse à espera do futuro. Assim éramos nós.


A tecnologia me faz espectadora das vidas que o futuro fez. Vejo pequenos fios brancos espalhados nas cabeleiras castanhas. Traços quase imperceptíveis contornando os olhos, bocas, nariz. Sulcos profundos nas retinas, no peito, nas lembranças.
Saudade, fazendo todo mundo pedir trégua a Deus. Porque a vida é breve demais para tanto amor.

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