Um dedo de prosa

Germana Telles

O Foca 21:12


Nossos sonhos sempre foram parecidos. Diferença mínima de idade, muito pouco, quase nada, mas escolhas parecidas e toda a vontade de engolir o mundo. Mas ela estava à nossa frente, porque tinha mais pressa do que nós para buscar o que queria e nos vimos sentados, naquelas tardes mornas, nos bancos da faculdade colhendo seus ensinamentos.

Movidos pela paixão ao jornalismo, íamos engatinhando na profissão, com ideais explodindo nos olhos, nos poros e na palma das mãos. E ela adorava jogar lenha na fogueira. Fazia isso com sutileza, provocando o bichinho que cada um trazia dentro de si, pronto para fazer misérias com o que colhíamos pelo caminho.

Num desses dias, surgiu a ideia de darmos voz ao que queríamos. O jornal laboratório só seria possível em meados do curso e não sabíamos esperar. Tudo urgia, era pra ontem, anteontem, pro ano passado. O desperdício das horas era pecado e queríamos o amanhã bem antes do galo cantar.

Dos nossos desejos, nasceu O Foca. Datilografado na minha velha Olivetti, depois do horário das aulas, recortado, colado e xerocado, ele ganhou corpo e os corredores da faculdade. Aos poucos foi ficando conhecido, servindo de vitrine para os textos, inclusive dos veteranos, envolvidos com o movimento estudantil _ que queria tirar o presidente louco do poder.

Não cobrávamos por recados, publicações de textos e trocávamos pequenos anúncios por rodadas de milk shake e hambúrgueres na lanchonete da esquina. Porém, um dia não houve dinheiro suficiente para tocarmos o projeto. A equipe, que começou em três, já somava quase 15 futuros jornalistas ávidos de reportagens e reconhecimento. Juntamos passes estudantis, vales-refeições, moedas, trocados... Não dava nem pro começo. Teríamos que parar as copiadoras e o sonho.

Não sei quem falou para quem, quantos contaram a quantos... A notícia se espalhou e chegou até ela, a nossa mestra-companheira. Em menos de um dia o dinheiro dava para imprimir a edição da semana e sobrava para o resto do mês.

Dizem que ela contou nosso caso, colocou uma bela cédula sobre a mesa _ no café das quatro na sala dos professores _ e esperou que os outros a seguissem. Todos colaboraram. Numa caixinha, o dinheiro chegou em nossas mãos. Pagamos as quatro edições, ganhamos a admiração do pró-reitor acadêmico e o patrocínio que precisávamos para continuar o sonho.

O Foca até hoje é lembrado em nossos raros encontros. Quando deixamos a faculdade, ele foi engavetado. Faltou quem quisesse tocar em frente. Hoje os mais jovens não precisam enfrentar teclas pesadas e sem óleo em Olivettis emperradas, nem passar a noite recortando fotos e textos para depois enfrentar as copiadoras.

As dificuldades fizeram com que superássemos qualquer dificuldade, nos uniram e fortaleceram nosso querer. No meio delas, um anjo amigo, com vinte e poucos anos, nos abrindo caminhos e fazendo valer a pena acreditar que valeria.

Preciso voltar a ser aquela, reencontrar o caminho, esquecer os fios brancos na testa, renovando a certeza de que só quem persiste e não duvida nunca, consegue ver o sol rasgar a noite e iluminar o mundo.