Um dedo de prosa
Germana Telles
Banho de Chuva | 13:46 |
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Aquele dia comprido parecia que não ia acabar mais. Chuva que não parava. Fina, grossa, com vento, silenciosa. Chuva, chuva, chuva. E eu ali, dentro de casa, olhando pelas frestinhas que me restavam pela janela. Querendo brincar lá fora, sem poder. "Invente algo pra fazer em casa", disse meu pai. "Já pensou nas crianças que não têm onde morar?", soltou, lá da cozinha, a minha mãe.
Eu não estava muito querendo saber das outras crianças, sinceramente. Nem queria perder meu tempo com invencionices de menina dentro de casa. Queria mesmo era aquela chuva. Sim, lá fora. Queria pular na lama e me sujar de vermelho, queria fazer bonecos e panelinhas de barro, para depois brincar de casinha com as amigas, queria cair no mar e fingir que era um lençol quente, me protegendo da água que caía do céu.
"Menino não tem querer", era o que diziam os mais velhos. E eu tinha que obedecer, sem bico, sem reclamação e sem batidinhas no pé. Não adiantava, aquela chuva não seria minha. Não seria? Pois bem...
Esperei o primeiro descuido dos meus pais, que não dispensavam o cochilo depois do almoço. Olhei em volta, conferindo se havia irmã mais velha na área de risco, pisquei para a irmã do meio _ que também sonhava com o aguaceiro na rua _ e pulei a janela. Quase perco os dedos das mãos, na pressa da fuga, e machuquei feio os joelhos, quando ganhei as ruas. Nada importava, a chuva era minha.
Deus nos abençoa quando manda chuva. Isso eu aprendi com minha avó sertaneja. Deus fala com a gente através dela. Quando está zangado, manda trovões e raios. Quando está contente, manda a garoa fina, para regar o mundo todo. Deus é chuva fina, molhando a grama, a calçada, o barro vermelho, o mar. Deus corre no riacho, evapora e volta para o céu.
Eu já sabia disso, quando era criança. Adorava a chuva, quando podia desfrutar dela. Dias de chuva só tinham graça se eu podia brincar na rua. A travessura daquele dia, é claro, foi descoberta. Rendeu uma febre, roupas molhadas e sermões. No entanto, fui feliz.
Hoje eu quis muito correr na chuva, chamar todo mundo para a minha farra. Não deu. Meu dia foi comprido, cheio de saudades e de chuva fina (dentro e fora de mim).
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