Um dedo de prosa
Germana Telles
Permanecer | 00:16 |
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Ele tinha vinte anos e alma de senhor maduro. Falava manso, sorria como menino que acabou de ganhar bicicleta novinha em folha e serenava nossas dores com maestria. Não havia quem não gostasse de estar perto, de partilhar a mesa, o campinho de futebol, as caminhadas na praia com ele.
Com paciência e desvelo me ensinou a andar. Com carinho, me deixava brincar com seus soldados de borracha _ mesmo quando eu desmontava tudo _ e contava histórias antes de me fazer adormecer. Um dia ele me falou das estrelas. “A luz que elas têm é tão forte que mesmo depois que elas morrem, permanecem acesas, por milhares de anos. Algumas dessas que vemos lá em cima nem estão mais ali”.
Achei aquilo tão forte, tão bonito. Morrer e permanecer. Nunca apagar. Pensei em como seria bom se isso fosse possível para a humanidade. Nunca deixar de iluminar o mundo. Explodir e espalhar luminosidade, brilho. Guardei aquilo comigo.
Num dia ensolarado de abril ele saiu para mais uma caminhada com um amigo. Nunca mais voltou para casa. Minha mãe havia preparado seu prato preferido: polvo ao molho de coco. Ficou ali no fogão, por horas, até que alguém se compadeceu e jogou no lixo. Na travessia do braço de mar que ligava nossa praia a um vilarejo, ele foi levado para o fundo do rio. O amigo tentou lhe trazer de volta. Em vão. A correnteza foi mais forte. Essa é a versão que temos.
A cidade inteira se mobilizou. Pescadores jogaram suas jangadas nas águas, benzedeiros pediram aos seus mestres que mostrassem o caminho. Homens, mulheres e meninos fizeram barcos de isopor com velas para iluminar a noite e trazê-lo de volta. Nada adiantou. Foram dois dias de espera, angústia e muito medo que não desse mais tempo, que não houvesse jeito algum.
Não houve. Os bombeiros o encontraram, numa praia próxima, e nos trouxeram. Aquele moço calmo, alegre, de coração leve, partiu sem aviso prévio. Nos deixou sem qualquer motivo.
Demorei muito tempo tentando aceitar. Muito tempo mesmo. Penso que entendi, assimilei, fui forçada a conviver com isso, mas não tenho certeza da minha aceitação. Era meu único irmão, meu companheiro, confidente, meu poetinha preferido. E tinha apenas vinte anos.
Nos juntamos bem mais depois de sua partida. Nossa família grudou, virou mesmo um ninho mais fechadinho. Mas sempre esperei que ele chegasse, depois dos portões fechados em casa. Cheguei a ouvir seus passos na cozinha, abrindo a geladeira, pegando a metade do refrigerante que eu dividia, comendo o doce predileto.
Esperei por muito tempo vê-lo sorrir ao pé da minha cama, me acordando e dizendo que foi um sonho ruim e que ele jamais saiu de casa assim, tão cedo. Hoje eu sei que ele está iluminando outros mundos. Creio fervorosamente na vida e na luz que não cessa. Meu menino virou estrela, explodiu de tanta coisa boa que havia em si. Vou soprar minha cantilena por todos os meus dias, em seu nome. Para que a chama jamais apague e nosso amor, talvez um dia, vire uma estrela. Permaneça.
Com paciência e desvelo me ensinou a andar. Com carinho, me deixava brincar com seus soldados de borracha _ mesmo quando eu desmontava tudo _ e contava histórias antes de me fazer adormecer. Um dia ele me falou das estrelas. “A luz que elas têm é tão forte que mesmo depois que elas morrem, permanecem acesas, por milhares de anos. Algumas dessas que vemos lá em cima nem estão mais ali”.
Achei aquilo tão forte, tão bonito. Morrer e permanecer. Nunca apagar. Pensei em como seria bom se isso fosse possível para a humanidade. Nunca deixar de iluminar o mundo. Explodir e espalhar luminosidade, brilho. Guardei aquilo comigo.
Num dia ensolarado de abril ele saiu para mais uma caminhada com um amigo. Nunca mais voltou para casa. Minha mãe havia preparado seu prato preferido: polvo ao molho de coco. Ficou ali no fogão, por horas, até que alguém se compadeceu e jogou no lixo. Na travessia do braço de mar que ligava nossa praia a um vilarejo, ele foi levado para o fundo do rio. O amigo tentou lhe trazer de volta. Em vão. A correnteza foi mais forte. Essa é a versão que temos.
A cidade inteira se mobilizou. Pescadores jogaram suas jangadas nas águas, benzedeiros pediram aos seus mestres que mostrassem o caminho. Homens, mulheres e meninos fizeram barcos de isopor com velas para iluminar a noite e trazê-lo de volta. Nada adiantou. Foram dois dias de espera, angústia e muito medo que não desse mais tempo, que não houvesse jeito algum.
Não houve. Os bombeiros o encontraram, numa praia próxima, e nos trouxeram. Aquele moço calmo, alegre, de coração leve, partiu sem aviso prévio. Nos deixou sem qualquer motivo.
Demorei muito tempo tentando aceitar. Muito tempo mesmo. Penso que entendi, assimilei, fui forçada a conviver com isso, mas não tenho certeza da minha aceitação. Era meu único irmão, meu companheiro, confidente, meu poetinha preferido. E tinha apenas vinte anos.
Nos juntamos bem mais depois de sua partida. Nossa família grudou, virou mesmo um ninho mais fechadinho. Mas sempre esperei que ele chegasse, depois dos portões fechados em casa. Cheguei a ouvir seus passos na cozinha, abrindo a geladeira, pegando a metade do refrigerante que eu dividia, comendo o doce predileto.
Esperei por muito tempo vê-lo sorrir ao pé da minha cama, me acordando e dizendo que foi um sonho ruim e que ele jamais saiu de casa assim, tão cedo. Hoje eu sei que ele está iluminando outros mundos. Creio fervorosamente na vida e na luz que não cessa. Meu menino virou estrela, explodiu de tanta coisa boa que havia em si. Vou soprar minha cantilena por todos os meus dias, em seu nome. Para que a chama jamais apague e nosso amor, talvez um dia, vire uma estrela. Permaneça.
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