Um dedo de prosa
Germana Telles
De amor e simplicidade | 00:13 |
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O asfalto ainda demoraria a chegar. Chão batido, estrada improvisada entre caminhos abertos à marra por homens e mulheres que criaram o vilarejo. Casas simples desenhavam arruados charmosos, onde as pessoas colocavam toalhas bordadas nas janelas e conversavam sobre a vida, do amanhecer ao pôr-do-sol.
À noite a rotina era a mesma: cadeiras nas calçadas, vizinhos e histórias repartidas, como quem divide o pão. Cansados, os moradores se recolhiam bem antes da noite ensaiar a madrugada. Tudo brindado pela trilha do mar, suave, sendo abrandado pelo vento manso. Foi nesse lugar que ela encontrou o amor da sua vida, o homem de sua história. Caixeiro viajante _ e dos bons, como fazia questão de frisar _ ele bateu os olhos e a quis. Ela rejeitou a idéia de se render ao vocabulário farto daquele estranho, que conhecia o mundo inteiro, mas nada poderia saber a seu respeito.
No entanto, aqueles olhos, aquelas maneiras de quem pega a dor com as unhas e esmaga, lhe arrastaram. Seria dele. Entre idas e vindas, resolveram casar no mês de agosto. Vento forte, chuva sem tréguas. Despesas dobradas, para montar palhoça que guardasse os convidados do temporal.
Na manhã da festa o céu se curvou ao amor dos dois. Sol, calmaria, caminhos abertos aos noivos. A casa se abriu às 8h em ponto. Todos os moradores deveriam saber: ela sairia da casa dos pais e seria entregue ao marido, a quem deveria seguir pelo resto de seus dias. As moças das redondezas, vestidas de branco, a esperavam com flores de laranjeira nas mãos.
O caminho havia sido bordado com rosas e folhagens, num tapete primoroso por onde seus pés descalços a levariam até a capela.
Lá, um jovem caixeiro tremia, da cabeça aos pés. Suava, dobrava e desprendia a gravata, secava o rosto, contava o tempo _ que insistia em lhe fazer desfeita e demorava a passar, de propósito. Ao longe, viu surgir o cortejo. A procissão seguia, silenciosa, pela rua. De braços dados com o pai, ela tentava acelerar os passos. Tinha pressa de começar aquela vida, que agora, sim, seria sua. Nasceria a partir de então.
Casaram. Tiveram oito filhos e viveram por 20 anos juntos. O caixeiro se foi, num mal súbito, num dia de agosto. Desde então, seus filhos e netos passaram a ser sua vida. E a cidade inteira começou a lhe pegar de empréstimo os sentimentos mais preciosos e as melhores histórias. Jamais se rendeu à tristeza. Tinha a gargalhada mais farta que já ouvi.
Já a conheci como “Vó Benedita”. Fui uma das que lhe pegou o amor, os sonhos e os guardou consigo. Passava horas e horas conversando com ela, em meus dias de férias, em muitos janeiros. Nunca esqueci a história do caixeiro.
Passei por sua casa, há poucos dias, e quase bato à porta. Ela também já partiu. A cadeira branca, de palhinha, continua no terraço, junto ao cesto com linhas e agulhas de tricô. Na parede, um enorme Coração de Jesus. Deu saudade.
Revivi, por instantes, tudo que me contou um dia. Busquei o ar daquela casa, puxei bem forte as lembranças. Em silêncio, pedi as bênçãos daquela que um dia me ensinou como é simples ser feliz.
À noite a rotina era a mesma: cadeiras nas calçadas, vizinhos e histórias repartidas, como quem divide o pão. Cansados, os moradores se recolhiam bem antes da noite ensaiar a madrugada. Tudo brindado pela trilha do mar, suave, sendo abrandado pelo vento manso. Foi nesse lugar que ela encontrou o amor da sua vida, o homem de sua história. Caixeiro viajante _ e dos bons, como fazia questão de frisar _ ele bateu os olhos e a quis. Ela rejeitou a idéia de se render ao vocabulário farto daquele estranho, que conhecia o mundo inteiro, mas nada poderia saber a seu respeito.
No entanto, aqueles olhos, aquelas maneiras de quem pega a dor com as unhas e esmaga, lhe arrastaram. Seria dele. Entre idas e vindas, resolveram casar no mês de agosto. Vento forte, chuva sem tréguas. Despesas dobradas, para montar palhoça que guardasse os convidados do temporal.
Na manhã da festa o céu se curvou ao amor dos dois. Sol, calmaria, caminhos abertos aos noivos. A casa se abriu às 8h em ponto. Todos os moradores deveriam saber: ela sairia da casa dos pais e seria entregue ao marido, a quem deveria seguir pelo resto de seus dias. As moças das redondezas, vestidas de branco, a esperavam com flores de laranjeira nas mãos.
O caminho havia sido bordado com rosas e folhagens, num tapete primoroso por onde seus pés descalços a levariam até a capela.
Lá, um jovem caixeiro tremia, da cabeça aos pés. Suava, dobrava e desprendia a gravata, secava o rosto, contava o tempo _ que insistia em lhe fazer desfeita e demorava a passar, de propósito. Ao longe, viu surgir o cortejo. A procissão seguia, silenciosa, pela rua. De braços dados com o pai, ela tentava acelerar os passos. Tinha pressa de começar aquela vida, que agora, sim, seria sua. Nasceria a partir de então.
Casaram. Tiveram oito filhos e viveram por 20 anos juntos. O caixeiro se foi, num mal súbito, num dia de agosto. Desde então, seus filhos e netos passaram a ser sua vida. E a cidade inteira começou a lhe pegar de empréstimo os sentimentos mais preciosos e as melhores histórias. Jamais se rendeu à tristeza. Tinha a gargalhada mais farta que já ouvi.
Já a conheci como “Vó Benedita”. Fui uma das que lhe pegou o amor, os sonhos e os guardou consigo. Passava horas e horas conversando com ela, em meus dias de férias, em muitos janeiros. Nunca esqueci a história do caixeiro.
Passei por sua casa, há poucos dias, e quase bato à porta. Ela também já partiu. A cadeira branca, de palhinha, continua no terraço, junto ao cesto com linhas e agulhas de tricô. Na parede, um enorme Coração de Jesus. Deu saudade.
Revivi, por instantes, tudo que me contou um dia. Busquei o ar daquela casa, puxei bem forte as lembranças. Em silêncio, pedi as bênçãos daquela que um dia me ensinou como é simples ser feliz.
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