Um dedo de prosa

Germana Telles

Lição de amigo 00:06

Ele levava jeito pra um monte de coisas. Corria de um lado para o outro, sempre apressado para construir sua vida, dando a impressão de que o futuro era mesmo algo pra ontem e grandioso.

Entre suas múltiplas funções, foi barbeiro, carregador de caminhão, frentista, lavador de carros, entregador de pizza, leiteiro e até arriscou jogar futebol, mas não deu certo. Quando o conheci ele ajudava o dono da mercearia, na esquina da casa dos meus avós. Toda tarde eu ia lá, pedia o mesmo refrigerante, o mesmo bolo com calda de chocolate. E ele sempre com aquele sorriso, enorme.

No dia que aprendi a andar de bicicleta, levei o maior tombo da história e quase fiquei sem dentes, foi ele que pulou o balcão e veio me socorrer. Nesse dia não precisei pagar pelo bolo nem pelo refrigerante. Tudo por conta da casa e do coração generoso daquele moço guerreiro de coração generoso.

No último Natal, fui levar minhas sobrinhas para o tradicional abraço no Papai Noel, lá na casinha montada pra ele, no meio da pracinha do lugar de minha infância. A fila enorme não me fez desistir e, entre um papo aqui e ali com velhos conhecidos, logo chegou a nossa vez.

Fotos, beijos, pedidos e aquele olhar me chamou a atenção. Eu conhecia aquele homem, por trás daquela barba de algodão e de toda aquela roupa e enchimentos. Mãozinhas cheias de pirulitos, rostinhos rosados com felicidade estampada, era a hora da pizza, do sorvete e de tudo que faz parte dos sonhos delas.

Enquanto elas lanchavam, eu olhava de longe pro velhinho. De repente, me veio a lembrança. Era ele, o meu velho amigo Moacir. O Papai Noel da pracinha era o moço das minhas lembranças.
Voltei à casinha e conversamos longamente, vendo as crianças brincarem no parque. Ele já era avô, tinha uma lista enorme de nomes dos netos, comprou uma casa à beira-mar _ como havia planejado _ e agora não corria mais. Estava aposentado, só cuidando do que plantou um dia.

Rimos muito lembrando a espoleta que fui, contei como estava longe agora e quanta saudade sentia de tudo que não volta mais. “Não sinta saudade, menina. O tempo não anda pra trás. O longe não significa o distante”. Fiquei batucando aquilo na cabeça: o longe não é o distante, o longe não é o distante.

Este ano, não consegui chegar a tempo no guichê para comprar a passagem que me levaria até minhas meninas e ao meu lugar. Desde que nasci, é o primeiro Natal fora de casa. E isso dói. Muito. Mas hoje eu acordei pensando no Moacir, que partiu no início do ano para um lugar bem longe. E me dei conta de que estarei lá sim, seja qual for o chão que eu pise. Porque um velho amigo me ensinou que não há distância quando se tem amor.

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