Um dedo de prosa

Germana Telles

A tiriva 15:06


Foi um caso de amor com final infeliz, aquele. Trágico, digamos. A tiriva chegou em sua casa meio por acaso e a pegou de jeito. Ela, que sempre pareceu não dar a mínima para os bichinhos que vez por outra tentavam seduzi-la e serem recolhidos das ruas, caiu de amores pelo rascunho de papagaio. Não havia quem duvidasse que a recíproca era verdadeira.
O bicho também lhe tinha o maior afeto. Era até bonito de se ver. Ai de quem se metesse a besta e dissesse que a tiriva era feia, ou ameaçasse a integridade física da bichinha. A dona, zelosa, virava uma fera e devolvia na mesma moeda.
Quando ia para a escola, antes de sair, pegava a bichinha nas mãos, afagava, prometia voltar logo e se deixava bicar de leve. Ao voltar para casa, mal largava a mochila, era recepcionada pela serelepe prima das araras, que abanava o rabinho comprido, sacodia as penas e balançava a cabeça, em gestos frenéticos. O pai dizia que a tiriva só não falava para não ir à escola, de tão esperta que era. Parecia gente. Se estava zangada, se recusava a comer. Quando estava feliz, pulava entre as poltronas, ensaiava piados estridentes e mostrava festa com as bicadinhas gentis.
Mas o destino às vezes pode ser cruel, apronta armadilhas e havia um inimigo à espreita. Certo dia, sem aviso, a vizinha também caiu de amores por um bicho. O gato mais peludo e de olhos maquiavélicos que ela já havia conhecido. “Não gosto de gatos, não gosto de gatos”, repetia, defendendo-se da presença ameaçadora à sua tiriva.
Passou a não deixar mais a bichinha passear solta pela casa. Seu mundo _ enquanto o gato da vizinha permanecesse por perto _ seria resumido às quatro paredes do quarto. Enchia de mimos, para que ela não sofresse e pensava que assim tudo estaria bem.
Um dia, voltando da escola, correu para o afago corriqueiro e, ao vencer a sala, veio o susto: alguém havia deixado a porta do quarto aberta. Baque no peito. Chamou pela tiriva, correu todos os cômodos, pânico crescendo. Ao chegar ao quintal, viu o peludo de olhos amarelos, cruéis, feliz da vida, empapuçado, pensando na vida sobre o muro. No cantinho da parede, as penas coloridas eram o sinal de que a tiriva escapou e foi direto para as garras da morte.
Chorou, lamentou, prometeu nunca mais ter bicho algum. Jurou ódio mortal a todos os gatos. Cresceu, comprou um peixe beta. E foram felizes para sempre... até ele morrer mofado no aquário.

2 comentários:

Anônimo disse...

a historia da minha vida!
eu me arrepiei ao ler essa historia, eu tinha uma tiriva igualzinha a esta da foto, andava em meu ombro todos os dias, o único detalhe é que tinha uma asa quebrada e não podia voar. tínhamos 2 cavalos na época, eu andava à cavalo todos os dias, as vezes sem camisa, "tili" (era como a chamávamos) na minha cabeça agarrada aos meus cabelos. A escola onde eu estudava era na esquina da minha casa, todo dia no recreio eu gritava, "tili" ela logo me respondia com um gritinho, quando tocava o sinal da escola que era hora de ir embora ela começava a gritar desesperada até que eu chegasse em casa, descia numa incrível correria a arvore em que ficava para poder me encontrar!
morro de saudades quando lembro dela, hoje já fazem mais de 8 anos que ela faleceu, até hoje paro e penso como seria minha vida se ela ainda estivesse comigo. sonhei com ela de ontem para hoje e vim olhar fotos no google, achei essa foto e ao ler essa historia não pude deixar de contar a minha historia também.
muito obrigado por me relembrar de momentos tão bons de minha vida!
um abraço a todos. com lagrimas nos olhos e saudades da "tili"...
Yuri

Amilcar José disse...

"Anônimo"
Numa ocasião apreendi uma em cativeiro, presa numa gaiolinha fedorenta numa ocupação irregular de área urbana. Levei para o Parque Estadual do Caracol e andava de "ombro em ombro" com todo mundo. De repente passou um bando e a levou embora. Hoje deve ser uma destas que voam rasante sobre nossas cabeças e "cantam" estridentemente alto. Para ver no YouTube: PARQUE ESTADUAL DO CARACOL.

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