Um dedo de prosa
Germana Telles
Mágoa de cabocla | 15:19 |
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Mágoa é veneno quente que entorpece e mata devagar. Mágoa é pior que cigarro, cachaça, mais letal que qualquer droga. Mágoa anestesia os sentidos, faz tremer as pernas, tira o ar, rouba a razão, cobre a gente de frio. Mágoa é coisa ruim, tipo mau-olhado: põe nódoa no viço, deixa os olhos fundos, corrói o corpo e a alma, em silêncio.
Um dos amigos do meu pai disse uma vez, naquelas conversas das sextas-feiras na varanda: “Prefiro uma dor de dente a sentir angústia. Não há nada pior do que levar nas costas uma mágoa mal curada, uma bordoada”.
Estava certo o amigo do meu pai. A dor de sentir-se traído, incompreendido, desrespeitado, ultrajado, é nó cego, como dizem os matutos. Não há ser humano que suporte calado. Não há quem diga que não está doendo, não há disfarce. E a tal da mágoa é coisa ruim de curar. Até se encontra o perdão, numa esquina qualquer. Contudo, perdoar não é esquecer. E isso é bem coisa de mágoa entranhada.
A mágoa bate na porta quando você pensa que já vai dormir em paz. Martela centenas de vezes as palavras que lhe cuspiram na face. Repete, feito disco arranhado, a romaria desafinada, badala aos quatro ventos a dor que lhe faz chorar. Faz questão de lembrar o que você pagaria qualquer preço para esquecer. Basta ensaiar um “não lembro mais” e a bruxa da mágoa diz “estou aqui”.
Há coisas que não se deve dizer a quem se quer bem. Porque isso quebra o elo sagrado que une os amigos, os irmãos, os amores. Há coisas que não se deve dizer a ninguém, porque o vento pode mudar a direção, a bola pode quicar e o tiro sair pela culatra.
Há sentenças que podem e devem ser ditas, mas há a escolha pelo caminho suave ou pela agressividade. E tem mais: a verdade é relativa e não foi comprada por ninguém. Portanto, cada um com a sua verdade, com a sua medida do que é certo e errado, sem julgar ou condenar ninguém por pensamentos opostos. Só quando a minha medida ultrapassar o limite do meu vizinho. Enquanto isso não acontece, cada um na sua e todo mundo junto. Isso é harmonia. É assim que a banda toca.
Essa história de que “a verdade tem que ser dita” dá nos nervos e só causa estragos. Tem gente que perde a mão e descamba a plantar mágoa quando cai no erro de que “a verdade tem que ser dita, a verdade tem que ser dita”. Cada um com sua verdade, cada um com suas querências, cada um com suas escolhas. E... todo mundo junto.
Hoje acordei com uma mágoa danada no peito. E dói que chega a dar arrepios. Uma hora vai passar, mas eu sei que não vou esquecer. Tudo porque alguém achou de tentar me dizer “verdades”. Alguém que quero tanto bem e que me é tão caro, cismou em me dizer verdades que não são minhas, que não me servem, que eu não compraria, que não quero para mim.
Mas não dá nada. Vou tocar em frente e fazer um dia melhor acontecer. Quem sabe a mágoa resolve me deixar cantar um samba, enquanto mando meu recado a esse amigo querido, tão equivocado a meu respeito? Eu sou feliz assim.
Um dos amigos do meu pai disse uma vez, naquelas conversas das sextas-feiras na varanda: “Prefiro uma dor de dente a sentir angústia. Não há nada pior do que levar nas costas uma mágoa mal curada, uma bordoada”.
Estava certo o amigo do meu pai. A dor de sentir-se traído, incompreendido, desrespeitado, ultrajado, é nó cego, como dizem os matutos. Não há ser humano que suporte calado. Não há quem diga que não está doendo, não há disfarce. E a tal da mágoa é coisa ruim de curar. Até se encontra o perdão, numa esquina qualquer. Contudo, perdoar não é esquecer. E isso é bem coisa de mágoa entranhada.
A mágoa bate na porta quando você pensa que já vai dormir em paz. Martela centenas de vezes as palavras que lhe cuspiram na face. Repete, feito disco arranhado, a romaria desafinada, badala aos quatro ventos a dor que lhe faz chorar. Faz questão de lembrar o que você pagaria qualquer preço para esquecer. Basta ensaiar um “não lembro mais” e a bruxa da mágoa diz “estou aqui”.
Há coisas que não se deve dizer a quem se quer bem. Porque isso quebra o elo sagrado que une os amigos, os irmãos, os amores. Há coisas que não se deve dizer a ninguém, porque o vento pode mudar a direção, a bola pode quicar e o tiro sair pela culatra.
Há sentenças que podem e devem ser ditas, mas há a escolha pelo caminho suave ou pela agressividade. E tem mais: a verdade é relativa e não foi comprada por ninguém. Portanto, cada um com a sua verdade, com a sua medida do que é certo e errado, sem julgar ou condenar ninguém por pensamentos opostos. Só quando a minha medida ultrapassar o limite do meu vizinho. Enquanto isso não acontece, cada um na sua e todo mundo junto. Isso é harmonia. É assim que a banda toca.
Essa história de que “a verdade tem que ser dita” dá nos nervos e só causa estragos. Tem gente que perde a mão e descamba a plantar mágoa quando cai no erro de que “a verdade tem que ser dita, a verdade tem que ser dita”. Cada um com sua verdade, cada um com suas querências, cada um com suas escolhas. E... todo mundo junto.
Hoje acordei com uma mágoa danada no peito. E dói que chega a dar arrepios. Uma hora vai passar, mas eu sei que não vou esquecer. Tudo porque alguém achou de tentar me dizer “verdades”. Alguém que quero tanto bem e que me é tão caro, cismou em me dizer verdades que não são minhas, que não me servem, que eu não compraria, que não quero para mim.
Mas não dá nada. Vou tocar em frente e fazer um dia melhor acontecer. Quem sabe a mágoa resolve me deixar cantar um samba, enquanto mando meu recado a esse amigo querido, tão equivocado a meu respeito? Eu sou feliz assim.
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