Um dedo de prosa
Germana Telles
A companheira | 15:53 |
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Era a minha apresentação no teatrinho da escola. Estávamos vestidos com as túnicas azuis (horrorosas, por sinal) da cor do céu, com uma corda grossa amarrada à cintura, imitando os apóstolos, em pleno altar da capela do colégio. Minha única fala era anunciar que o Salvador havia nascido, e só. O resto era acompanhar as falas em que todos faziam aclamações. Tudo muito fácil, não tivesse a personagem principal apenas seis anos de idade.
Aquela minha estreia poderia ter sido apenas mais um trabalho de escola, mas foi bem mais, porque naquele dia descobri que havia alguém do meu lado, sempre, com uma força descomunal me empurrando para tudo que era bom nessa vida.
Assim que me lancei à frente e soltei a fala, a vi chegar. Trazia uma sacola de feira pendurada num dos braços e o rosto corado. Não sei se de emoção ou pelo sol de quarenta graus lá fora. Não sei mesmo se o sol estava lá fora ou se ela era, inteira, o próprio sol.
Fomos cúmplices, eu e ela, a vida inteira. Dela eu herdei os altos e baixos. Em alguns momentos sou um mar de águas calmas e bastam alguns segundos para me transformar num rio pronto para despencar corredeira abaixo. Herdei também o horror pelas injustiças, pela deslealdade, pelo egoísmo, pela ganância. Levo comigo o apego à família, às raízes, a vontade de festa em cada coisa do dia. Levo comigo a fúria destemperada ao ver um amigo ou irmão sendo desmerecido ou pisado. Levo comigo as canções de ninar, o colo macio, o abraço silencioso, as histórias antes de dormir.
Levo comigo as broncas, o leite quente nas noites com febre, o sorriso iluminado, as danças em nossa sala, o amor maior.
Já quis muitas coisas nessa vida, entre os seis e os trinta e seis anos de estrada. Já quis cantar, ela me deu violão e voz. Quis ganhar o mundo, ela me abriu as estradas, me entregando a todos os anjos e santos quando partia. Quis voltar para casa, ela me acolheu sem porquês nem senões. Já quis muito, sonhei alto. Mas nada me fazia mais contente do que chegar em casa e encontrá-la. Do que ter a quem pedir a bênção, do que saber que em algum lugar eu tinha um pedaço de mundo que me acolheria. Eu tinha para onde voltar.
Hoje, trocaria todos os anos da minha vida _ os que já tive e os que, porventura, terei. Trocaria todas as festas, todos os encontros, todas as estradas, tudo que fiz, pelo direito de tê-la de volta. Sei que ainda há muito a buscar, que não há por que parar quando o caminho ainda aponta para muito longe além do que os olhos alcançam. Mas ela fazia a diferença.
Ontem troquei ideias com alguém bem próximo e vimos que pensamos igual. Não há coisa melhor no mundo que mãe. Sem ela, parece que todo o nosso corpo deu um nó. Os pés travam, a voz falta, a infância volta a bater na porta e todos os bichos-papões saem de suas tocas.
Não há um dia em que eu não pense em nossa amizade. Mesmo que eu viva até esquecer de mim, mesmo que eu consiga tudo que eu pensei, não a esquecerei, nem por um segundo sequer.
Aquela minha estreia poderia ter sido apenas mais um trabalho de escola, mas foi bem mais, porque naquele dia descobri que havia alguém do meu lado, sempre, com uma força descomunal me empurrando para tudo que era bom nessa vida.
Assim que me lancei à frente e soltei a fala, a vi chegar. Trazia uma sacola de feira pendurada num dos braços e o rosto corado. Não sei se de emoção ou pelo sol de quarenta graus lá fora. Não sei mesmo se o sol estava lá fora ou se ela era, inteira, o próprio sol.
Fomos cúmplices, eu e ela, a vida inteira. Dela eu herdei os altos e baixos. Em alguns momentos sou um mar de águas calmas e bastam alguns segundos para me transformar num rio pronto para despencar corredeira abaixo. Herdei também o horror pelas injustiças, pela deslealdade, pelo egoísmo, pela ganância. Levo comigo o apego à família, às raízes, a vontade de festa em cada coisa do dia. Levo comigo a fúria destemperada ao ver um amigo ou irmão sendo desmerecido ou pisado. Levo comigo as canções de ninar, o colo macio, o abraço silencioso, as histórias antes de dormir.
Levo comigo as broncas, o leite quente nas noites com febre, o sorriso iluminado, as danças em nossa sala, o amor maior.
Já quis muitas coisas nessa vida, entre os seis e os trinta e seis anos de estrada. Já quis cantar, ela me deu violão e voz. Quis ganhar o mundo, ela me abriu as estradas, me entregando a todos os anjos e santos quando partia. Quis voltar para casa, ela me acolheu sem porquês nem senões. Já quis muito, sonhei alto. Mas nada me fazia mais contente do que chegar em casa e encontrá-la. Do que ter a quem pedir a bênção, do que saber que em algum lugar eu tinha um pedaço de mundo que me acolheria. Eu tinha para onde voltar.
Hoje, trocaria todos os anos da minha vida _ os que já tive e os que, porventura, terei. Trocaria todas as festas, todos os encontros, todas as estradas, tudo que fiz, pelo direito de tê-la de volta. Sei que ainda há muito a buscar, que não há por que parar quando o caminho ainda aponta para muito longe além do que os olhos alcançam. Mas ela fazia a diferença.
Ontem troquei ideias com alguém bem próximo e vimos que pensamos igual. Não há coisa melhor no mundo que mãe. Sem ela, parece que todo o nosso corpo deu um nó. Os pés travam, a voz falta, a infância volta a bater na porta e todos os bichos-papões saem de suas tocas.
Não há um dia em que eu não pense em nossa amizade. Mesmo que eu viva até esquecer de mim, mesmo que eu consiga tudo que eu pensei, não a esquecerei, nem por um segundo sequer.
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