Um dedo de prosa

Germana Telles

O gigante dos meus dias 12:55

Ele cheirava a mato e lavanda. Tinha a pele áspera, pintada pelo sol forte. Voz forte de trovão, com a mansidão do vento leve nos fins de tarde. Tudo nele impressionava. Desde o chapéu ao chinelo de couro cru, que nunca ficava gasto. Eu admirava aquele homem, olhava de baixo para cima, como quem encara um gigante. Porém, o que mais me chamava a atenção eram os imensos olhos castanhos _ que falavam alto, gritavam palavras de amor, sem emitir um só gemido. Era grande o meu avô.

Um dia, sem que ele percebesse, eu invadi sua vida e quase fico por lá, sem achar o caminho de volta. Sem querer achar, sem tentar, sem qualquer motivo que me fizesse puxar o trinco e trocar de cenário.

Sentei entre a cômoda antiga e a cama de campanha que havia no quarto pequeno _ onde ele ficava durante os verões _ e fui folheando as páginas curtas, amarradas com barbante, que me jogaram na história mais linda que conheci. Caderninhos incontáveis guardados nas gavetas, encapados com papel camurça de todas as cores.

Tudo anotado ali, com tinta preta. Seus primeiros anos na escola, suas descobertas nas ruas estreitas beirando as pontes, seus “idílios” (eu amei aquela palavra antiga e a incorporei ao meu vocabulário de menina, arrancando gargalhadas dos mais velhos)...

O casamento com a menina tão mais jovem e com perfil grego em meio à caatinga distante. O nascimento dos filhos, as tarefas e os percalços em seu caminho de pai extremoso e preocupado com as escolhas de cada um. Os dias de chuva no sertão, levando mulheres e meninos às ruas, enlouquecidos com a água vinda do céu. Tudo bem guardado nas páginas que começavam a ser devoradas pelas traças. Traças deveriam ser extintas, pensei. Elas comem as vidas da gente e tudo que ficou delas.

Um dia ele foi embora. Sem aviso prévio, sem qualquer sinal de que o sopro que lhe empurrava a vida estava chegando ao fim. Guardei comigo sua herança: os cadernos vermelhos de páginas amarelas, o barbante, o cheiro de mato e lavanda e o amor imenso que me banha o corpo através do sangue.

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