Um dedo de prosa
Germana Telles
A menina e eu | 11:59 |
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Seria mais um dia de trabalho. Nublado, entre o verão e o outono, em pleno mês de março no Sul catarina. A pauta chegou e me apressei em cumpri-la, já que envolvia crianças _ e elas sempre conseguem fazer a diferença em mim. Não estava em meus melhores dias. Tudo acontecia ao mesmo tempo e enquanto o céu mostrava nuvens negras, elas explodiam em temporais pesados dentro de mim. Um aguaceiro sem fim.
Emergência do hospital lotada. Virose tomando os pequenos de assalto e eu ali, à espera da fonte que me passaria as informações e os possíveis contatos para a matéria. Tentando me concentrar no trabalho, via pessoas chegando e saindo, gente muito ferida dando entrada, gente feliz com a alta. Sirenes, macas, médicos com suas roupas brancas, luvas, máscaras... Enfermeiras dando o melhor de si, na corrida contra o tempo. E eu ali, achando a minha dor a maior do mundo todo.
Foi então que me falaram que eu poderia conversar com uma família que aguardava a internação de sua menininha. Caminhei apressada pelo corredor, tentando não me deixar atingir pelas dores alheias, tentando ser o que preciso ser quando estou com bloco e caneta na mão: mero transmissor dos fatos, antena que capta e joga os acontecimentos, sem interferência de qualquer natureza.
Ali estavam, na sala de observação, a menininha e seus pais. Olhos assustados, desconfiando de tudo em sua volta. A vontade era abraçar, dar colo, pintar as paredes frias com aquarela, tirá-la daquele lugar. Deveria haver uma lei universal que determinasse: hospitais não são para as crianças. Pronto, seria perfeito.
Mandei o maior sorriso que pude esboçar em meio aos meus atropelos daquele dia. Falei brevemente com os pais e me concentrei nela. Começou a contar, feito gente grande, o que estava acontecendo. Aquela voz doce, suave, passando as suas reclamações, foi o tranquilizante que eu precisava. O relato inocente e cheio de mágoa com o vírus malvado nos fez sorrir. E ela nos acompanhou, tagarelando, retomando em segundos o viço da idade.
Sua grande preocupação era perder as aulas. Prometi que ela tomaria uns remedinhos e logo estaria de volta à escola e às brincadeiras com os amigos. Foi minha vez de ganhar o maior sorriso, com um sinal de consentimento.
Prossegui com os pais, colhi o que precisava e comecei a me despedir e agradecer. Foi então que ela deu um salto do colo da mãe e me abriu os braços. Dobrei-me diante dela e acolhi aquele abraço forte, demoradinho. Fiz mais uma promessa: ela sairia logo dali e ainda nos veríamos em alguma esquina da cidade, só para ela me dizer que eu estava certa.
“Você foi a melhor médica”, falou. Mais sorrisos encheram a sala. Não desfiz sua crença. Já que confiou em mim, seria bom que continuasse assim, para que todos os outros que chegassem perto fossem recebidos do mesmo modo. Seria mais fácil pra todo mundo.
Agradeci o elogio e saí pelo mesmo corredor por onde havia entrado minutos antes. O temporal estava manso em mim. As nuvens começavam a se dispersar. Nada do que quiseram me fazer acreditar sobre mim importava. Eu ainda consigo falar a língua dos anjos. Tenho salvação.
Emergência do hospital lotada. Virose tomando os pequenos de assalto e eu ali, à espera da fonte que me passaria as informações e os possíveis contatos para a matéria. Tentando me concentrar no trabalho, via pessoas chegando e saindo, gente muito ferida dando entrada, gente feliz com a alta. Sirenes, macas, médicos com suas roupas brancas, luvas, máscaras... Enfermeiras dando o melhor de si, na corrida contra o tempo. E eu ali, achando a minha dor a maior do mundo todo.
Foi então que me falaram que eu poderia conversar com uma família que aguardava a internação de sua menininha. Caminhei apressada pelo corredor, tentando não me deixar atingir pelas dores alheias, tentando ser o que preciso ser quando estou com bloco e caneta na mão: mero transmissor dos fatos, antena que capta e joga os acontecimentos, sem interferência de qualquer natureza.
Ali estavam, na sala de observação, a menininha e seus pais. Olhos assustados, desconfiando de tudo em sua volta. A vontade era abraçar, dar colo, pintar as paredes frias com aquarela, tirá-la daquele lugar. Deveria haver uma lei universal que determinasse: hospitais não são para as crianças. Pronto, seria perfeito.
Mandei o maior sorriso que pude esboçar em meio aos meus atropelos daquele dia. Falei brevemente com os pais e me concentrei nela. Começou a contar, feito gente grande, o que estava acontecendo. Aquela voz doce, suave, passando as suas reclamações, foi o tranquilizante que eu precisava. O relato inocente e cheio de mágoa com o vírus malvado nos fez sorrir. E ela nos acompanhou, tagarelando, retomando em segundos o viço da idade.
Sua grande preocupação era perder as aulas. Prometi que ela tomaria uns remedinhos e logo estaria de volta à escola e às brincadeiras com os amigos. Foi minha vez de ganhar o maior sorriso, com um sinal de consentimento.
Prossegui com os pais, colhi o que precisava e comecei a me despedir e agradecer. Foi então que ela deu um salto do colo da mãe e me abriu os braços. Dobrei-me diante dela e acolhi aquele abraço forte, demoradinho. Fiz mais uma promessa: ela sairia logo dali e ainda nos veríamos em alguma esquina da cidade, só para ela me dizer que eu estava certa.
“Você foi a melhor médica”, falou. Mais sorrisos encheram a sala. Não desfiz sua crença. Já que confiou em mim, seria bom que continuasse assim, para que todos os outros que chegassem perto fossem recebidos do mesmo modo. Seria mais fácil pra todo mundo.
Agradeci o elogio e saí pelo mesmo corredor por onde havia entrado minutos antes. O temporal estava manso em mim. As nuvens começavam a se dispersar. Nada do que quiseram me fazer acreditar sobre mim importava. Eu ainda consigo falar a língua dos anjos. Tenho salvação.
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