Um dedo de prosa

Germana Telles

Inspiração 13:54

A força que morava naqueles olhos me deixava sem graça, mas me empurrava para a vida com a certeza de que eu poderia chegar mais perto de Deus, através dela.
Jamais conheci alguém tão grande, tão determinado, tão generoso e desprendido de ambições desmedidas quanto ela. Vivia e renascia todos os dias pelo amor que havia em si e que ela, sem medida, entregava a quem passasse por perto.
A formiguinha ligeira, incansável em sua labuta, acordando todos os dias antes do sol, era a corda que nos amarrava num círculo iluminado de segurança e fé. Sabíamos que com ela, estando ali, dividindo o lar e os dias com ela, seríamos felizes.
Não importavam os obstáculos, as tristezas que vez em quando batiam à nossa porta, as distâncias que precisamos vencer, tantas vezes, em busca de paz. Tudo com ela era bom. E tudo começava e terminava de maneira tão fácil de se levar, com uma simplicidade tão desconcertante, que nos comovia, ao vê-la agarrar a vida com tanta vontade.
Até nos dias piores, _diante da perda do filho, da doença, que lhe roubou o direito de andar, das saudades que ela acumulou em sua estrada _ ela não desdisse a sua fé, a sua força. Eu queria ter aprendido com ela. Era o que eu mais queria. Aquela capacidade de ser gente, de acreditar nas outras gentes que nem sempre mereciam o seu afeto e que sempre, sempre, tinham o seu abraço, o seu sorriso e o seu perdão.
Nem sei se aquilo que ela oferecia era mesmo perdão. Talvez fosse o esquecimento, a falta de registro do lado negativo de qualquer coisa, qualquer pessoa. Sei que queria ter aprendido com ela.
Sou pequena demais, no entanto, e perdi a oportunidade de fazer do meu caminho algo tão melhor. Eu devia ter seguido seus conselhos, ter anotado cada um deles, ter ido dormir na hora que ela falasse, ter respeitado mais o meu tempo, ter aprendido a tocar melhor o piano, ter largado o cigarro, ter prestado atenção aos caminhos que escolhi e que não estavam em seus planos.
Juro que eu não sabia que doeria tanto crescer e ter que tocar a vida sem aquela luz que jorrava em minha volta e me fazia tão feliz. Sei que se pudesse voltar atrás, jamais teria lhe dito um não, jamais teria me atrasado para os almoços de domingo (quando ela sempre estava pronta, sentada na rede, com seu melhor vestido, cabelos bem penteados, olhar ansioso, me esperando chegar).
Queria seus recados em meu celular, sempre dizendo antes quem era (“Minha filha, sou eu, sua mãe”) _ como se eu não soubesse, como se fosse preciso _ me deixando recomendações ou contando algo corriqueiro, que ela fazia especial e repartia conosco, extensões do seu corpo, da sua vida.
Busco, inquieta, outro olhar como aquele, outra voz como aquela, outra luz que me faça feliz como naqueles melhores dias da minha vida. Tenho a fé, que ela me deixou de herança, como guia. Vou, abrindo trilhas. Hei de achar a inspiração que me devolva a capacidade de atravessar a vida com um sorriso nos lábios, o coração leve e as mãos sempre prontas para acolher, sem esperar recompensa.

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